Aproveitando o Mês do Orgulho, vamos falar sobre um tema que conheço bem: a bissexualidade. Me assumi bissexual desde muito nova e sempre escutei os principais estereótipos como “é só uma fase”, “você ainda está indecisa”, ou mesmo “isso é desculpa para pegar todo mundo”.
E não para por aí! Dentro da própria comunidade LGBTQIAP+, algumas pessoas acham que a bissexualidade é apenas uma parada no caminho para a homossexualidade ou uma maneira de evitar a homofobia.
Estamos em 2024, mas muitos ainda acreditam nesses mitos sobre a bissexualidade. Então, fiz um compilado de fatos para desmistificar essas ideias e levar mais informações sobre o tema. Vamos lá?!
1. A bissexualidade sempre existiu
Se você acha que a bissexualidade é uma coisa recente, está muito enganado! Desde os tempos antigos, há registros de pessoas que se atraíam por mais de um gênero. O termo “bissexual” foi usado pela primeira vez em 1892 pelo neurologista Charles Gilbert Chaddock.
Sigmund Freud também abordou o tema em 1905, na obra “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”. Freud sugeria que crianças não distinguiam os sexos de seus pais inicialmente, sentindo atração tanto pelo feminino quanto pelo masculino.
Apesar deste conceito ser ultrapassado hoje, pois sabemos que bissexuais podem se atrair por mais de um gênero, não apenas por mulheres e homens cisgêneros, a ideia mostra que o tema já era discutido há muito tempo.
2. A pessoa não se torna bi, ela nasce assim
Provavelmente você já conheceu alguém que, durante a infância, era chamado por termos pejorativos como “viadinho” ou “sapatão” por ser diferente. Muitos ainda sequer se reconheciam como bissexuais ou homossexuais nessa fase.
E isso sem nem mencionar as pessoas trans, que muitas vezes sofrem também por não se identificarem com a identidade de gênero designada no nascimento.
Há inúmeros relatos de pessoas que afastam bissexuais de seus círculos, principalmente para não “influenciar” crianças e adolescentes, como se a orientação sexual pudesse ser um vírus contagioso.
A verdade é que basta uma conversa com uma pessoa bissexual para perceber que o sentimento por mais de um gênero sempre esteve ali. Muitas vezes, esse sentimento pode ser ocultado até mesmo da própria pessoa, que pode levar um tempo para compreendê-lo e aceitá-lo. De fato, muitos bissexuais sequer chegam a se assumir durante toda a vida.
3. A bissexualidade não é binária
A diferença entre bissexualidade e pansexualidade pode gerar dúvidas até mesmo entre aqueles que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+. Enquanto a bissexualidade envolve a atração por mais de um gênero, a pansexualidade abrange a atração sexual por todos os gêneros.
É comum que muitas pessoas pensem que bissexuais seguem um modelo binário que considera apenas masculino e feminino, ignorando outras identidades de gênero como agênero. No entanto, o Manifesto Bissexual, publicado em 1990, afirma que:
“Bissexualidade é uma identidade completa e fluida. Não presuma que a bissexualidade seja binária. Na verdade, não presuma que existam apenas dois gêneros.”
Quando se trata de pessoas trans, é importante destacar que bissexuais reconhecem e respeitam a identidade de gênero das pessoas trans. Homens trans são homens e mulheres trans são mulheres, dentro da perspectiva bissexual.
Portanto, pensar que a pansexualidade inclui pessoas trans e a bissexualidade não é correto. Além disso, cada indivíduo bissexual vive sua sexualidade de maneira única e não há uma maneira correta de ser bissexual.
4. Homens bissexuais não são “gays disfarçados”
Um equívoco comum é a ideia de que homens bissexuais são “gays disfarçados”, enquanto mulheres bissexuais não são vistas como semelhantes às lésbicas. Essa visão distorcida ignora a realidade da bissexualidade e perpetua estereótipos prejudiciais.
Esse mito pode surgir, inclusive, dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+, onde a bissexualidade masculina muitas vezes não é legitimada. Além disso, mulheres podem reproduzir machismo ao acreditar que um homem bissexual é “menos homem”.
O documentário “(BI)CHAS: A Bissexualidade e o Ser Afeminado” aborda esse tema de maneira muito interessante, destacando como a bissexualidade masculina é frequentemente mal compreendida. Ele está disponível no YouTube:
5. Bissexuais não têm o “dobro de chances”
Muita gente acredita que bissexuais têm o “melhor dos dois mundos” ou o dobro de chances de encontrar um parceiro. Quando escuto isso, sempre dou uma risada muito sincera. Quem me dera!
Na realidade, ser bissexual não significa ter mais oportunidades de encontros ou relacionamentos. Na verdade, temos muitos desafios, como enfrentar preconceitos e bifobia tanto de heterossexuais quanto da comunidade LGBTQIAPN+.
6. Bissexuais podem estar em relacionamentos monogâmicos
Uma dúvida muito comum quando se fala sobre ser bissexual é: “Mas você não vai sentir falta do outro gênero se estiver em uma relação monogâmica com um gênero só?” Esse pensamento também alimenta o famoso mito de que “bissexuais traem mais”, com a ideia equivocada de que um bissexual não estaria satisfeito em uma relação monogâmica.
Na verdade, a bissexualidade é sobre a capacidade de sentir atração por mais de um gênero, mas isso não significa que uma pessoa bi precisa namorar ou ter relações com múltiplos gêneros ao mesmo tempo. Ser bissexual não é sinônimo de insatisfação constante ou de desejo por múltiplos parceiros ao mesmo tempo.
Muitos bissexuais estão em relacionamentos monogâmicos e comprometidos com uma única pessoa, independentemente do gênero dessa pessoa. A orientação sexual não define a estrutura de relacionamento de alguém; isso é uma escolha pessoal e varia de pessoa para pessoa.
7. Nem todos os bissexuais querem fazer ménage
Se cada bissexual ganhasse um real por vez em que é convidado para um ménage à trois estaríamos ricos. A ideia de que, por se interessar pelos dois gêneros, nós adoramos essa prática é completamente equivocada.
Tem pessoas que gostam, outros que não, e tem aqueles que nem sequer desejam experimentar. Afinal, a preferência por ménage não está ligada diretamente à orientação sexual, mas sim às preferências individuais de cada pessoa.
8. Nem todos os bissexuais são atraídos “meio a meio”
Um equívoco comum é pensar que todos os bissexuais são atraídos igualmente por homens e mulheres, como se fosse uma divisão exata. Na realidade, a atração por mais de um gênero varia significativamente entre as pessoas bissexuais.
Alguns bissexuais podem sentir uma atração mais intensa por um gênero do que por outro, enquanto outros podem experimentar uma atração mais equilibrada. Além disso, essa intensidade e a forma como as pessoas vivenciam suas relações podem mudar ao longo da vida.
Atualmente, existem até termos para descrever diferentes formas de atração e relacionamento:
- Birromântico – deseja desenvolver conexões românticas com mais de um gênero, podendo ou não incluir atração sexual.
- Bissexual heteroafetivo – sente atração por mais de um gênero, mas se relaciona afetivamente apenas com o sexo oposto.
Esses conceitos refletem a diversidade e individualidade das experiências bissexuais, mostrando que não há uma única maneira certa de ser bissexual, mas sim uma ampla gama de experiências válidas e legítimas.
9. Existem pessoas trans bissexuais
Sim, existem pessoas trans que são bissexuais! Isso porque ser trans está relacionado à identidade de gênero de alguém, ou seja, como se identificam em relação ao gênero (masculino, feminino, ambos, nenhum, etc.). Já ser bissexual refere-se à orientação sexual, ou seja, a quem a pessoa se sente atraída (homens, mulheres, ambos).
Então, uma pessoa trans pode ter qualquer orientação sexual, incluindo bissexualidade. Por exemplo, uma mulher trans bissexual pode se identificar como mulher e sentir atração tanto por homens quanto por mulheres. Da mesma forma, um homem trans bissexual pode se identificar como homem e sentir atração por homens e mulheres.
10. A bifobia é real
Bifobia é o termo utilizado para descrever o preconceito contra pessoas bissexuais, o qual inclui enfrentar discriminação devido à sua orientação sexual, como estereótipos negativos, exclusão e até questionamentos sobre sua identidade.
Este tipo de preconceito pode se manifestar de várias maneiras. Por exemplo, uma pessoa bissexual em um relacionamento com alguém do mesmo gênero pode ouvir comentários como “não sabe o que quer” ou “está apenas experimentando”.
Em relacionamentos hétero, bissexuais podem sentir que não se encaixam completamente na comunidade LGBTQIA+, como se não fossem “suficientemente parte dela”. Isso cria uma falsa ideia de que a orientação sexual depende do parceiro atual.
Além disso, bissexuais também podem ser vistos de forma estereotipada como infiéis, promíscuos ou rejeitados por suas famílias, pela comunidade ou até mesmo pelas famílias de seus parceiros.
Os efeitos da bifobia são amplos e significativos, incluindo sentimentos de inadequação, isolamento social, dificuldades para encontrar apoio e relacionamentos saudáveis, e impactos negativos na saúde mental.
A bissexualidade não é melhor nem pior do que nenhuma outra orientação sexual. Assim como qualquer outra forma de amar e se relacionar, buscamos simplesmente ser respeitados e acolhidos, tanto dentro quanto fora da comunidade LGBTQIAPN+. Feliz Mês do Orgulho! 🌈
Referências:
- Revista Biblos – FURG: Disponível em: https://periodicos.furg.br/biblos/article/download/249/63/357
- Terra – Homem bi no fundo é gay?: Disponível em: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/homem-bi-no-fundo-e-gay-voce-ja-ouviu-isso,8d1e21bde6ebe2e9927fe9e90bcfbb38rm1tk7g2.html
- Campo Grande News – Homens assumem bissexualidade: Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/homens-assumem-bissexualidade-e-tambem-nao-acreditam-em-heteros
- GQ Brasil – Homens bissexuais e preconceitos: Disponível em: https://gq.globo.com/Lifestyle/Sexo/noticia/2022/05/homens-bissexuais-preconceitos.html
- Mulher – O que significa ser birromântico e bissexual heteroafetivo: Disponível em: https://www.mulher.com.br/comportamento/o-que-significa-ser-birromantico-e-bissexual-heteroafetivo#google_vignette
- Quem – Bissexualidade heteroafetiva e birromântico no BBB 23: Disponível em: https://revistaquem.globo.com/entretenimento/noticia/2023/01/saiba-o-que-e-bissexualidade-heteroafetiva-e-birromantico-termos-usados-no-bbb-23.ghtml
- G1 – Com que idade descobrimos nossa orientação sexual: Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/09/01/com-que-idade-descobrimos-nossa-orientacao-sexual.ghtml
- BBC Brasil – Sem cura gay: como Freud explica a atração entre pessoas do mesmo sexo: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45385028
- SciELO – Sexualidade e Sociedade: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/NP3S8R3yYnfHrpwfPVhDgVG/
- SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade: Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/noticias/bifobia
- GShow – Bifobia: entenda o que é e quais os perigos do apagamento bissexual: Disponível em: https://gshow.globo.com/moda-e-beleza/noticia/bifobia-entenda-o-que-e-e-quais-os-perigos-do-apagamento-bissexual.ghtml
- Bi-Sides – As diferenças entre o ativismo bi e pan. Disponível em: https://www.bisides.com/post/as-diferen%C3%A7as-entre-ativismo-bi-e-pan
4 comentários em “10 fatos sobre bissexualidade”
Texto maravilhoso! É bom ver alguém falando sobre problemas reais ainda não muito bem abordados ou com pouco destaque na mídia, principalmente de uma forma tão elaborada e direta, mas ainda assim, descontraída.
Ainda me sinto confuso com a diferença entre Pan & Bi, mas já fica mais compreensível.
Muito obrigada pelos elogios! <3
A questão sobre bi e pan é um assunto que rende muito! Ainda existem muitas discussões sobre isso e acabei não entrando nelas, mas esse texto aqui explica um pouco mais, vou até acrescentá-lo ao artigo. Obrigada também pela participação! https://www.bisides.com/post/as-diferen%C3%A7as-entre-ativismo-bi-e-pan
Eu amo esse seu hobby em escrever desde sempre pra sempre. Adorei o tema sobre bissexualidade e bom que você tem seu direito de fala no assunto.
Muito obrigada pelo apoio desde sempre também, Ju! <3